Sábado de manhã e a casa, que quase todo ano parece sem
vida, finalmente está alegre.
- Vamos acordando ou a gente não chega cedo!- grita a mãe.
Os irmãos mais novos acordam na hora, o mais velho também. O
irmão do meio, por algum motivo, não dormiu bem, tem problemas com o sono, sabe
mais ou menos o por quê mas aquela altura não conseguia compreender direito.
Compreenderia mais tarde, lá pros seus 20 anos de idade, mais isso já é outra
história.
Na época o irmão do meio tinha 13 ou 14, vai lembrar? O
negócio é que mesmo cansado acordou. Tomou banho, se vestiu, comeu alguma coisa
e entrou no carro com todo mundo, menos com o pai que não gostava desse tipo de
coisa. Uma hora depois estavam todos no mar. Dia de praia.
Não era um dia muito comum pra ninguém, a família que
parecia sem vida, realmente gostava da praia. A mãe não ficava sentada olhando, ia com todo mundo pro mar brincar e mesmo o irmão do meio, o mais
desanimado, corria direto pra água sempre que a via. Imaginava um dia chegar
até o “quebra-mar” de recifes bem mais adiante. Não sabia nadar tão bem, então
às vezes ficava só olhando, às vezes bolava planos, era como chegar em Marte. O
mar era um fascínio.
- Vamos catar umas conchas, ali tem umas bonitas! - disse a mãe.
Todos se sentaram em uma parte rasa da água e começaram a
procurar. O irmão mais velho não ficou nem por cinco minutos, viu algo mais
interessante e logo saiu. O mais novo logo ficou entediado, foi fazer um
castelo de areia ou outra coisa (mais uma vez, vai lembrar?). E a menina mais
novinha ainda o seguiu. Ficaram a mãe e o irmão do meio procurando “tesouro”.
Ela preferia colocar a mão embaixo da areia fofa mesmo e
levantá-la, vez ou outra vinha uma concha inteira.
- Olha essa! Peguei uma – ela dizia toda hora.
Já ele preferia ficar
de pé, procurar com os olhos alguma coisa que a maré alta poderia ter deixado.
Isso funcionava. Às vezes via alguma coisa diferente por perto, se abaixava e
pegava. E foi assim por alguns minutos, talvez meia hora. Ele andando e ela
parada.
- Olha, mãe, o que eu achei - e ele estendeu as mãos com
várias conchas e pedras pra ela.
- Que bom, deixa eu ver – disse ela.
- Essas aqui você vai jogar fora, não é? – continuou. - Olha
as que eu peguei, nem um risco, você tem várias que estão quebradas, joga isso
fora, menino.
O irmão do meio olhou pra mãe e depois olhou pras conchas.
Não queria se desfazer de nada, via tudo muito bonito mesmo os pedaços de corais
que, aparentemente, não tinham nada a ver com a tarefa.
- Eu não vou jogar nada fora, nem as conchas quebradas –
disse ele.
- Por que não? - ela perguntou. – Tem tanta concha bonita e
completa aqui. Por que você não fica só com elas?
E ele respondeu: “Eu gosto das conchas quebradas. Ninguém
quer as conchas quebradas. Ninguém na praia vai ficar com elas, então eu quero.
São legais também, mas ninguém quer catar” – disse ele- mostrando uma com uma
rachadura bem grande no meio.
- Você não acha que você merece o melhor, a concha mais
bonita do mundo, meu filho?- Ela perguntou.
- Não sei mãe, as que a senhora pegou são bonitas, mas
nenhuma é igual as minhas. São legais porque são quebradas e se eu não
pegá-las, quem vai pegar?.
- Tá bom, leve suas conchas então – ela falou sem nem
retrucar.
A imperfeição das conchas quebradas era algo com que ele se sentia parecido ou era aceitação de que nem tudo é perfeito? Muitos anos depois ele
tentaria entenderia melhor e até escreveria sobre isso