segunda-feira, 11 de abril de 2016

O menino e as conchas quebradas





Sábado de manhã e a casa, que quase todo ano parece sem vida, finalmente está alegre.

- Vamos acordando ou a gente não chega cedo!- grita a mãe.

Os irmãos mais novos acordam na hora, o mais velho também. O irmão do meio, por algum motivo, não dormiu bem, tem problemas com o sono, sabe mais ou menos o por quê mas aquela altura não conseguia compreender direito. Compreenderia mais tarde, lá pros seus 20 anos de idade, mais isso já é outra história.

Na época o irmão do meio tinha 13 ou 14, vai lembrar? O negócio é que mesmo cansado acordou. Tomou banho, se vestiu, comeu alguma coisa e entrou no carro com todo mundo, menos com o pai que não gostava desse tipo de coisa. Uma hora depois estavam todos no mar. Dia de praia.

Não era um dia muito comum pra ninguém, a família que parecia sem vida, realmente gostava da praia. A mãe não ficava sentada olhando, ia com todo mundo pro mar brincar e mesmo o irmão do meio, o mais desanimado, corria direto pra água sempre que a via. Imaginava um dia chegar até o “quebra-mar” de recifes bem mais adiante. Não sabia nadar tão bem, então às vezes ficava só olhando, às vezes bolava planos, era como chegar em Marte. O mar era um fascínio.

- Vamos catar umas conchas, ali tem umas bonitas! - disse a mãe.

Todos se sentaram em uma parte rasa da água e começaram a procurar. O irmão mais velho não ficou nem por cinco minutos, viu algo mais interessante e logo saiu. O mais novo logo ficou entediado, foi fazer um castelo de areia ou outra coisa (mais uma vez, vai lembrar?). E a menina mais novinha ainda o seguiu. Ficaram a mãe e o irmão do meio procurando “tesouro”.
Ela preferia colocar a mão embaixo da areia fofa mesmo e levantá-la, vez ou outra vinha uma concha inteira.

- Olha essa! Peguei uma – ela dizia toda hora.
 
 Já ele preferia ficar de pé, procurar com os olhos alguma coisa que a maré alta poderia ter deixado. Isso funcionava. Às vezes via alguma coisa diferente por perto, se abaixava e pegava. E foi assim por alguns minutos, talvez meia hora. Ele andando e ela parada.

- Olha, mãe, o que eu achei - e ele estendeu as mãos com várias conchas e pedras pra ela.
- Que bom, deixa eu ver – disse ela.
- Essas aqui você vai jogar fora, não é? – continuou. - Olha as que eu peguei, nem um risco, você tem várias que estão quebradas, joga isso fora, menino.

O irmão do meio olhou pra mãe e depois olhou pras conchas. Não queria se desfazer de nada, via tudo muito bonito mesmo os pedaços de corais que, aparentemente, não tinham nada a ver com a tarefa.

- Eu não vou jogar nada fora, nem as conchas quebradas – disse ele.
- Por que não? - ela perguntou. – Tem tanta concha bonita e completa aqui. Por que você não fica só com elas?

E ele respondeu: “Eu gosto das conchas quebradas. Ninguém quer as conchas quebradas. Ninguém na praia vai ficar com elas, então eu quero. São legais também, mas ninguém quer catar” – disse ele- mostrando uma com uma rachadura bem grande no meio.

- Você não acha que você merece o melhor, a concha mais bonita do mundo, meu filho?- Ela perguntou.
- Não sei mãe, as que a senhora pegou são bonitas, mas nenhuma é igual as minhas. São legais porque são quebradas e se eu não pegá-las, quem vai pegar?.
- Tá bom, leve suas conchas então – ela falou sem nem retrucar.

A imperfeição das conchas quebradas era algo com que ele se sentia parecido ou era aceitação de que nem tudo é perfeito?  Muitos anos depois ele tentaria entenderia melhor e até escreveria sobre isso

2 comentários:

  1. Belo texto!

    Pensando em mim; as conchas quebradas seriam uma forma de não chamar a atenção para mim, assim como, não usar roupas chamativas, ficar quieto para não participar de atividades na escola e por ai vai...

    Grande abraço,

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    1. Já pensei nessa possibilidade, Exceter.

      Talvez a gente se identifique ou acha que merece o que é mais parecido com a gente, não sei. Ainda, penso sobre esse comportamento.

      Li sua história também. Queria acreditar que foi só um conto mesmo.

      Abraço!

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